26 December 2021

The Cat

He entered the house in silence
Subtle shadow following my steps
Leading from behind
Swirling around my legs
And curling in my lap
Swinging to the music
Sleeping by my heart
Playing with the fire
He was beautiful, black and warm
He talked with his eyes
And purred through my soul
He was mine
He is gone.



Future Repeating

The future is a dream
I have dreamt last night
As I laid beneath the olive trees
Under distant burning stars
With purple orchids dancing in my womb
While smiley dragons flying golden skies
The silver moonlight clearing the way
All wrapped in mist and wonder
And that soft silence of
Friendly fiery footsteps 
Around different melodies of truth
Beautiful narratives of love
Keeping me going, hoping
For tomorrow
Again.




 

29 November 2021

A gaiola

Comprei uma gaiola
Muito feia
Cheia de grades
E uma portinhola
A intenção era boa
Caíra-me um passarinho à porta
E o desgraçadinho aflito 
Nem voava nem piava
Com a sua asinha torta
Dei-lhe água e comida
Mas ele fugiu
- Um sopro de alegria!
Ainda se espetava 
Contra paredes e janelas
Abri-as todas
Escapou por uma delas
E - zás! - foi logo apanhado
Pelo gato assanhado
Que cruzava o quintal
Enxotei o animal 
Guardei de novo o passarinho
Logo pela manhã
Voltou a fugir
Todo trôpego e desequilibrado
Quando o segurei entre as mãos
Encarou-me de frente 
Olhos nos olhos
- Deixa-me ir.
Pousei-o de novo e saí.
No regresso
Comprei a tal gaiola
Muito feia 
Cheia de grades
O passarinho jazia morto
Estendido no chão
Muito gelado
À minha espera.

3 October 2021

Évora suave e doce
Branca e amarela
Corres pelas tuas ruas abaixo
Perdendo-te de ti mesma
E caindo a teus próprios pés
Por saberes bem que és tão bela
E sob esse manto azul celeste
Entre frios recortes de nuvens
E raios de sol ardentes
Rebolas e dás cambalhotas
Saltando postigos e janelas
Atravessando arcos e portas
Sempre assim trocando as voltas
A teus infinitos amantes
É que se ainda agora te perdias
Fiando enredados labirintos 
E cornucópias estonteantes
Rapidamente te endireitas
Deixando claro a esses tratantes 
Que nada - mas mesmo nada!
Será nunca mais como dantes.







30 September 2021

O amor é o derradeiro exercício 
De humildade perante a vida
A poesia seu agraciado reconhecimento
Relembra-nos que, mesmo quando não dançamos, 
Há-de sempre haver a música... 





28 September 2021

Poesia atómica para o amor circular

A poesia é uma espécie de ecoponto,
Um transe de ayahuasca,
Um fungo decompositor.
Elixir regenerador,
Trip psicadélica estonteante,
Bonança misericordiosa
Depois da borrasca nauseante.
A poesia é um motor de combustão:
Entra gasolina, explode emoção.
A poesia é uma energia renovável,
Sem forma nem cor nem cheiro,
Altamente reciclável.
É incêndio de verão implacável,
Com o seu rasto negro e seco, 
Feio, fétido, fértil.
A poesia é uma flor
De Hiroshima 
Arrancando aos ossos a dor
De estar vivo sem amor
A circular...
- Catrapum!





A encruzilhada

Quando já nem a poesia nos vale
Nem o amor nos basta
Nem o alimento sacia
Nem o colo alivia
Quando nem a roupa cobre
Nem o sol nos aquece
Ou a lua alumia
Quando nem a oração acalma
Ou o santo acode
Quando nem a canção enternece
Nem o espírito se eleva
Quando o dia já nem merece
E a noite só entorpece
É porque chegamos a uma encruzilhada
Onde não há para perder mais nada
Resta sentir a bússola do coração
E continuar a caminhada 
Naquela direcção...


19 September 2021

Era uma vez um onanista
- palavra mais esquisita.
Vá ver ao dicionário!
Mas não era um onanista qualquer.
Não, o nosso era um onanista literário.
Só escrevia por puro prazer
Sempre que podia
E não tinha mais o que fazer.
De pena alçada e papel em punho
Lá batia mais um texto
Rabiscava outro gatafunho.
E entre prosas e poemas,
Muitos rascunhos e alguns esquemas
Lá acabava por se vir,
Ora mais voraz ora mais contido,
Tantas vezes sem soltar sequer gemido.
E era assim que, naquele agradável torpor,
Encontrava o santo remédio
Para a sua mais profunda dor.



14 September 2021

Nas montanhas da melancolia

Nas montanhas da melancolia me perdi.
Entre montes e vales, colinas e precipícios,
Serpenteando as suas curvas sinuosas, 
Sulcando as suas fendas profundas,
Mergulhei nos seus contrastes,
Banhei-me nas suas paisagens.
Perdi-me entre as cores, os cheiros e sabores
Daquele passeio inebriante, interminável,
Entediante, enjoativo, torturante, admirável...
E das encostas roliças 
Aos seus túneis movediços,
Naqueles vulcões de esperança adormecidos,
Me deixei seduzir e conduzir,
Parando às vezes só para sentir
A plenitude da tua ausência,
O calor da tua distância,
O conforto do teu silêncio,
O amor da tua indiferença.
E assim, restabelecido,
Continuei a passear perdido
Naquelas montanhas de melodia,
Belas sereias verdejantes, 
Deslizando sob meus passos agonizantes,
Continuamente sussurrando 
Promessas eternas de melancolia.




13 September 2021

A barragem

Até que finalmente 
Decidi abrir as comportas
E deixar toda a aquela água jorrar.
Até ali, estivera calma, tranquila,
Quase imóvel, 
Ignóbil.
E, no entanto, tornou-se casa,
Fonte de vida, lugar de alimento.
Da sua tranquilidade 
Brotavam ecossistemas inteiros,
Convincentes artifícios
Com todas as suas camadas:
Predadores e parceiros,
Empenhados em manter 
Aquele equilíbrio estático
Tórpido
Antipático
Pouco empático.
Engenhosa construção
A ferro e fogo,
Cheia de razão.
Até que finalmente 
O choque da tua ausência
Provocou tamanho aperto no peito,
Tamanho nó na garganta,
Tamanha volta à barriga,
Que eu perdi a resistência.
Implodi o sentido da razão,
Abri as comportas do coração,
E deixei toda aquela água jorrar
Sem saber onde iria parar
Sem calcular o quanto 
Nos poderia ainda magoar
Sem perceber
O quão destrutiva, implacável, inexorável
Poderia ainda vir a ser.
- Um dia, ainda me afogo em mim.
Falta tanta água correr...

A nostalgia deu à costa
Desenrolada pelas ondas do mar
E, assim estendida pela orla da praia,
Inundou-me de sal o olhar.

- verão 2021, na praia de Fuzelhas
"Estão ali golfinhos!"
E a vida toda fez uma pausa
O contrato que nuca mais chega
O processo interminável
O salário que continua em atraso
A segurança que rejeito
Os engates que não conheço
O email por responder
A advogada que não atende
O escaldão que quase apanhei
A coluna que ainda agora doía tanto
O telefonema que ficou por fazer
A leitura que deixei a meio
A dieta que ia tão bem
A proposta que lá seguiu
A rede sempre a falhar
A toalha cheia de areia
O vento que parece amainar
As algas a atrapalharem as braçadas
Tantos tormentos, consumições, angústias, sonhos, contradições...
Nada mais importa.
É que estão ali golfinhos
E tudo o resto pode esperar.

- verão 2021, na praia do Barril


Má Memória

Quando lá volto
Está seco.
Aquela porta escancarada
A cama ainda quente
A escadas do prédio,
A cheirar a mofo,
Ali mesmo aos meus pés.
A ânsia de correr atrás
E o medo daquele silêncio
Que se entrava sufocante
Por aquela porta escancarada
Qual bocarra desdentada
Pronta para me engolir.
Fechei-a.
E atrás dela
Verti garrafas
Rasguei recordações
Calei o silêncio aos gritos
Até ficar sem voz
Sem força 
Sem chão
Sem memória.
Agora, quando lá volto
Está tudo seco
E até dá pena.


- em 27/05/2020, na aula de dramaturgia 

1 June 2021

Penso

Sou um fluxo de poesia.
Ai de quem ouse estancar o meu verso.

30 May 2021

Gostava

Gostava de ter escrito este poema.
Um dia, hei-de escrevê-lo.

--

THE PEACE OF WILD THINGS
by Wendell Berry

When despair for the world grows in me
and I wake in the night at the least sound
in fear of what my life and my children’s lives may be,
I go and lie down where the wood drake
rests in his beauty on the water, and the great heron feeds.
I come into the peace of wild things
who do not tax their lives with forethought
of grief. I come into the presence of still water.
And I feel above me the day-blind stars
waiting with their light. For a time
I rest in the grace of the world, and am free.




13 May 2021

O meu pai

O meu pai é uma criança
Com quem brinco 
Desde o momento em que nasci
E por isso nunca mais cresci
É um contador de disparates
Um inventor de coisas raras
Um despertador de curiosidades
Um poço de conhecimento
Mesmo quando a memória lhe falha
O meu pai é um chato
Que me arrelia
Desde que sou gente
E me persegue com lições
Preconceitos, doutrinas
Convicções bacocas 
Ou idealismos indigestos
O meu pai é um sonhador
Que me chapinha nas poças da chuva
Debaixo de um impermeável
Todo molhado e cheio de cor
Ou me encharca de lama
E minhocas e bichas-cadela
Para me devolver à terra
Ou me empurra ao mar
Até chegar bem lá no fundo
Até quase me afogar
Para me ensinar a lutar
O meu pai acha que substitui
A companhia do amor
Por um televisor...
Ou as crises de meia-idade
Com projectos a multiplicar
O meu pai não é nenhum herói
Ilustríssima vedeta 
Ou prémio Nobel da física
Da literatura ou da aritmética
E também não é nenhum monstro
Nem selvagem nem ditador
O meu pai é um homem normal
É uma pessoa do seu tempo
Para o bem e para o mal
Cheio de defeitos e virtudes
Com as suas angústias, anseios
E frustrações e muito amor
Como todos nós, no fundo
É o melhor pai do mundo.

9 May 2021

A poesia que passa

A poesia é como o vento
Quando menos se espera
Levanta-se no ar
E faz a cabeça rodopiar
Entrelaça-se no coração
E desperta sorrisos
Ou põe-nos a chorar
É que a poesia 
Não conhece o tempo
Mas abraça o momento
Que inspira e desaparece
Enquanto se acorda
Se caminha
Ou se adormece
Enterrada na rede
Sentada à secretária
Entre amigos na praia
Ou às voltas no fogão
Ou entre as folhas
Das árvores e das plantas
Que se agitam na floresta 
Cheia de mistérios
Ora suave dança ondulante
Ora presença inquietante
E lá está a poesia
Entre sombras e reflexos
Em noites luminosas
Ou no fundo oceânico
Alguns poemas são apanhados
Pobres coitados
E acabam aqui sozinhos
Ou aos punhados
Uns bem bonitos, animados
Outros melhor fora
Estivessem calados
Mas há ainda aqueles,
Os outros
- Oh tantos!
Que são levados 
Pela correria da vida
Pela distracção involuntária 
Pelo acidente inesperado
Pelo sono implacável
Pelo sol radioso da manhã
Pelos salpicos das ondas
Pela chuvinha pardacenta
Ah, o cheiro a esteva, 
A terra que acorda molhada, 
A urze no monte, o suor, a maresia
E lá vem ela de novo 
A poesia...

A hora das sombras

Àquela hora
As sombras levantam-se
E começam a dançar
Oscilantes
Impõem-se
Deambulando no ar
Desenhando rastos
Desalinhando formas
É que àquela hora
As sombras acordam
Espreguiçam-se
Esticam-se 
Revelam-se
E escondem-se
Vagueando 
Entre raios e coisas
Tremendo sem saber
O que é frio ou temer
Que aquela hora passe
Porque àquela hora
As sombras são
--
Vestígios da luz 
Que ilumina
O seu reflexo
Ao contrário

30 April 2021

Ai poeta,
Dás-me saudades do amor
Da vertigem da vida
Do vendaval de cor!
Saudades dos pássaros
A voar
E da melodia de seu bico
A assobiar.
Ai poeta,
Lembras-me o romance
Que nunca aconteceu
E o amante
Que nunca foi meu.
E dás-me vontade
De chegar aonde sonhei
Lá bem longe
Perto do horizonte
Onde fica eu não sei.
Ai poeta,
Devolves-me a paz
Ao entoares as rimas e os acordes
Que me lembram capaz
De amar quem nunca conheci
Fazer o que nunca fiz
E que jamais esquecerei
Ou tãopouco recordarei
Porque também eu sou rainha
Nesse magnífico reino
Sem egos, formas ou leis 
Onde todos andamos nús
Sorrindo
Porque não somos ninguém.

10 April 2021

Urso vazio

Certo dia, visitei
O lugar do urso
Que me atacou
Corri florestas
Galguei trilhos
Saltei ribeiros
Segui regatos
Perdi-me nas silvas
Recuperei caminhos
Procurei recordações
Esvaziei os bolsos
Que estavam cheios
De tesouros
Pesados 
Como remorsos
Suei muito
Rasguei vestes
E músculos
Até que uma brisa
Ao passar
Me distraiu
Com chilreios
E cores doces
Água fresca 
Cheirinho a esteva
E minhas pernas 
Fizeram-se asas
Abertas
Qual cegonha longa
A planar
Sobre líquenes
Sinuosos
Sobre ramos
Torcidos 
Dos carvalhos
E cabelos
Soltos
Dos choupos
Sobre curvas
Imprevisíveis
Dos riachos
Lá de cima
A pairar
Não via ursos
Nem lobos
Nem javalis
Só as veias 
Da vida a pulsar
- E as cascas
Daquele enorme
Animal vazio
Que afinal
Nem existe.



31 March 2021

Amor-ciclope

Gosto de ver o mundo pelo teu olho.

2 February 2021

Agora dava-te um abraço
Um não, mais, muitos!
Ou um, até podia ser
Mas daqueles intermináveis
Que levam muito tempo a separar
Porque quando desatam de um lado
Já se apertam mais do outro
E um beijo também
Também te dava um beijo
Daqueles roubados
Inesperados
Assim sem contar 
Mas que afinal até se adivinhava
E só dão vontade de mais
E mais e mais e mais
E lá se colam outra vez os lábios
Já todos ardidos e lambuzados
Segredando intimidades profundas
Dessas que não se traduzem
Em palavras ou sons 
Ou músicas ou tons
Ou textos ou dons
E, no entanto, são arte
Oh mas eu dava-te ainda 
O resto do corpo todo
E o que mais houvesse depois
As pernas para te aconchegar
O peito para te confortar
O sexo para te aquecer
E derreterias em mim
Essa raiva do mundo
Que te consome a ti
Que nos consome a todos
Descarregarías em mim
Esse vigoroso ódio
Ao sistema que oprime
À norma que sufoca
À apatia que contamina
À identidade que divide
Porque a tua revolta 
É a minha também
Como o teu conforto
É também o meu
E a tua poesia
Rima com a minha
Porque a tua ira
A tua angústia
A tua luta
Não tem fronteiras
Nem limites
Não é de luas
Nem de desejos 
Nem tem regras
Nem línguas
Nem apetites
Porque a tua luta
É minha também
E de todos os demais
Porque é humana
Porque é igual
E universal
Como é o teu descanso
Como é o meu regaço
Como é a nossa paz.


24 January 2021

Funeral de natal

Hoje fiz um funeral de natal
Aproveitei a excepção eleitoral
E furei o confinamento 
Prego a fundo no pedal
- Às urtigas com o parlamento!
E entre os pingos da chuva
E da nova ordem social
Lá fui, visitando urnas 
E correndo capelas
Distribuindo votos
E laranjas e pão e livros
E recolhendo mimos
E sentimentos
E lamentos 
Desabafos e tormentos
E às mágoas
Afogá-las
No vinho tagarela
No café quentinho
Com um pau de canela
No bacalhau com natas
No bolo de beterraba
Nos cactos
Nas compotas
E na mousse de maçã.
É que os funerais
Como os natais
As pandemias
E as rabanadas
Não são assim  
Tão especiais 
Nem importantes sequer
Basta furar regulamentos
Acabar com sofrimentos
Juntar amigos e calor
E misturar como aprouver
Seja lá onde ou quando for!



20 January 2021

Epitáfio ao teu pudim

Lá foste, D.Alcina. Fartaste-te de tudo e bateste com a porta da vida. E bem que fizeste. Eu faria o mesmo. Ou não tivesse apanhado esse mau génio que tanta personalidade dá ao meu sinal no queixo. Sinal de carne, sinal de beleza. "Também tenho. Mas o meu é branco." Era branco também o marido que querias para mim. De preferência, das Fontaínhas. "Aquilo é que era!" Pergunto-me se querias mesmo... Mas querias provocar. Aprender. A minha vida era-te tão distante. E tu fazias-me tantas perguntas! E eu dava tantas respostas. "Olha que respondona!" Toda orgulhosa. Era o teu entertenimento preferido... Arreliar-me. Arreliar-nos a todos. "Oh, não me consumas!" Enquanto eu folheava a tua Hola ou Caras ou a Gente ou a Maria, a beber chá com folhinhas no fundo. "Bebe um chá, filha. Não queres lanchar? Tenho ali uns biscoitinhos, fiambre... Não queres comer nada?" Nem que não quisesse! Eras a minha vontade de comer. E eu que era o teu biscuit, o teu realejo, a tua "mariazinha"... "Anda cá, mariazinha! Toma lá uma notinha para comeres um geladinho. E tá calada! Não digas ao teu pai." Ai, lá se foram tantos mimos e cortes de cabelo! E pudins e bifinhos e tripas à moda do Porto e rojões e papas de sarrabulho e leite creme e o bacalhau do Natal e os bolinhos do bacalhau do Natal... "Estão muito bons, D.Alcina!" E o teu silêncio de majestade estuporada que sabe. E que desdenha e intromete e envenena. Eras bem bruxa também... "Não mexas nisso que é bruxedo." Mas podias. Porque o mal não era teu. Mas de quem te ligasse. "O COMER ESTÁ NA MESA!" Eu nunca liguei. Fazia pouco e fazia frente. Porque não havia bruxedo que se sobrepusesse aos miquis, ao Vic e aos pensos de álcool no peitinho febril, ao batom vermelho e à sombra verde e ao sinal preto que o teu lápis espetava na minha cara, ao cheiro a laca, ao leitinho com chocolate e aos teus sapatos dourados e às lantejoulas e peles de cobra a desfilar em passerelle, arrastando pelo corredor fora, carrapito espetado no ar, Beverly Hills 90210, Wacky Races, Scooby Doo,"VENHAM VER OS MIQUIS!", viúva Porcina a balançar, dançando lambada de saia rodada... Chorando se foi a saia rodada que fazias só para nos ver rodopiar! "Esta miúda tem jeito." E a máquina de costura a matraquear a próxima personagem que havíamos de envergar. "És uma artista." Pelas tuas mãos mágicas fui fada, bruxa, bailarina, padeira, pianista, grega, sevilhana, índia, japonesa, capuchinha, dama das camélias... Ai as camélias! E as orquídeas e as rosas e as tulipas! E as rosas de Santa Teresinha. As rosas... Desenhei uma. Dos ventos. No ombro. Nunca a viste. Nunca gostaste de me saber no meio do mar. "Tem algum jeito!" Tanta coisa minha que nunca gostaste e nunca viste nem soubeste. Tanta coisa que não saberás jamais... Minha querida avó. Ainda te levei o mar antes de ires embora. E o cabelo cor-de-rosa. "É bonita a minha neta." Oxalá tivéssemos tido uma despedida mais digna... A beber chá com folhinhas e a comer pudim - tu não, por causa dos diabinhos! - e a falar mal da vida das vedetas e dos outros de quem gostamos, antes de saíres para ir à baixa ou à natação ou ao cabeleireiro com a Dona Margarida... Se quiseres depois vou-te buscar. "Oh! Não, filha! Deixa estar!" Eu vou. Até já, bóbó! Gosto muito de ti. E do teu pudim.




18 January 2021

O Bardo

Indo eu passeando airosa
Lá onde a imaginação
Jaz, formatada e limitada
A uma pequena vitrine iluminada
Repleta de pacotes em promoção
- Quais saldos de final de estação,
Catálogo de espelhos
À procura de salvação,
Eis senão quando
Me aterra no colo
Um bardo esgazeado
- Oh que emoção!
Bicharoco enchumaçado
Cheio de músculo 
Muito másculo
Muito tesudo
E afinadinho, o sortudo.
Cantou-me uma canção
Leu-me poemas
Aqueceu-me o coração
Levantei-me para aplaudir
E, palerma, 
Deixei-o cair ao chão
Assustado, desatou a fugir
Ainda o pensei perseguir
Mas é que entretanto recebi
Outra notificação... 


11 January 2021

Do bairro do amor
Saem todos bem fodidos
Ou bem casados
Nem sempre bem pagos
Mas emparelhados
E emparedados
Em cubículos indiferenciados
Onde ninguém se cruza
Ninguém se vê
- Quanto muito, ouve-se
Porque não quer
Porque não precisa
Porque não sabe
Que são todos diferentes
E todos iguais
Todos demais
Mas, no silêncio da noite,
Quando pardos se deitam
A intimidade explode
Ele ressona
Ela peida-se
E no berço vazio
Dorme a esperança
De um dia voltar
Ao bairro do amor
Onde a vida
Era um carrossel.

Aqui e Agora

Estar aqui e agora
Quando aqui não há agora
E o agora não está aqui
Porque aqui não há presente
Porque não se pertence 
Porque não se pretende
Estar ou ficar
Pausar
Parar
Saborear
Saborear, sim
Para recordar
Para crescer
Ou até minguar
Mas mexer
Chafurdar
Nunca estagnar
Como aqui
Não, ficar aqui não
Sair dali já
Deixar a imaginação voar
Mergulhar num filme
Cavalgar um livro
Nadar nas palavras
Molhadas
Chupadas
Assadas
Adormecer num colo
Cansado
Estranho
Entranho-o
Cansar o colo
Cansar o corpo
Cansar a mente
Confortar o espírito
Distraí-lo
Diverti-lo
Libertá-lo
E a flutuar o deixar
À deriva, a desfrutar
Da vida dos outros 
Que não é a sua
Qual vampiro sedento
Sabe sempre bem
Porque sabe a pouco
Aqui e agora
Anda, deixa-te disso
Vamos mas é embora
Antes que seja tarde demais...


Unkind

Closed faces
Stiff shoulders
Up tight
Blindly right
Cut the crap
Straight to the point
Off the map
Crystal clear
Rational trap
Frozen heart
Lost soul
Mind in control
Smashed spirits
Suffocated joy
Shadow life
No peace
Continuous war
Fear ahead
Diminished existence
Erased humanity
Unkind living dead
Dark suspicion
Swallow it all!
- A candy.
Hope...

Forgotten notes

Love doesn't happen
Love doesn't flow
When you love
You kill
All you love
You blow
Love doesn't happen
Love doesn't go
When you love 
You destroy
Those you love
Don't want to know
Love yourself
Love alone
Love is pain
Cold as stone
Love yourself
Love inside
Love your life
Live your love
Love doesn't happen
Love is.
You.


Cidade-amor

Um coração
Tomado por um mouro
Rasgado por um celta
Guardado por um gaulês
Que tu nunca deixaste de iluminar
Nunca recusaste aquecer
Lisboa, tens sido porto de amor.

#homeiswhereyourheartis


10 January 2021

No reino dos poetas

No reino dos poetas
Todos andam nus
E a cada passo se calam
Para ouvir 
O chilrear dos pássaros
O cantar dos regatos
O gotejar da chuva
O sussurrar do vento
O murmurar das moças
Uma gargalhada
Um gemido
Um lamento
E sorrir 
Antes de continuar
No reino dos poetas
As palavras são cores
Que flutuam como nuvens
E inebriam quem passa
Enchendo o mundo de graça
Pincelando as dores
Embelezando o sofrimento
No reino dos poetas
Não há líderes nem regulamentos
Não há promessas nem certezas
Nem futilidades nem miudezas
No reino dos poetas
Há é muita angústia, há amor
Há grandes paixões, há torpor
Há tanto desalento e rancor
E há esperança
Muita comoção
E há alegrias também
- Porque não?
Porque no reino dos poetas
Partilham-se feridas abertas
Em jeito de oração
E ternas dedicatórias discretas
Que aquecem o coração
Porque no reino dos poetas
Vive-se com a sofreguidão
De quem fosse morrer hoje
Assoberbado em aflição
Logo agora que tudo ia de feição
É que no reino dos poetas
Todos são sábios 
Todos são loucos
Todos são mágicos
E todos são sempre poucos.
O amor é um anarquista.
Não respeita reis nem normas
Nem critérios nem fórmulas.
O amor é um anarquista.
Não cabe em formatos nem padrões
Nem estereótipos ou outras prisões.
O amor é um anarquista.
Salta do peito 
Quando menos se espera
E morre na praia 
Quando tantas certezas dera.
O amor é um anarquista.
Revolta e cisma
E assusta e anima.
O amor é um anarquista.
Doce sentimento eterno,
O sal da vida, um inferno.