27 September 2020

O Que Arde Cura

Cara Maria Adelaide,
O que arde cura e tu sabias.
Não foi preciso que to dissessem.
Estava no fundo do teu coração,
Enterrado debaixo de festas e ostentação.
Uma vida tão perfeita,
Tão bem arrumada, embrulhada,
Tão direita,
Era afinal a tua prisão,
Cheia de um grande vazio,
Entre paredes frias de aflição.
Qual corpo acorrentado
Afundavas-te, afogavas-te
No negrume sufocante sem fim
De ti própria.
Mas eis que te soltaste enfim,
Animada pelo calor de uma paixão.
E nadaste como quem voa
E abandonaste a tua feia escuridão.
Passaste de invejada a doente,
De madame a puta,
De intelectual a louca,
De rica senhora a pobre coitada...
Porque é isso que acontece
Às que encontram a sua cura
E descobrem  que o mistério de todas as coisas
É apenas um clarão.
Tu viste essa luz que se chama vida,
Escolheste arder na tua própria decisão
- Porque antes queimar pelo fogo
Do que pelo gelo da solidão.
E qual sol incandescente,
Inexorável, indomável, resplandecente
Queimaste, derreteste e abafaste,
Todos os que te queriam controlar.
É que o que arde cura.
Tu entraste em combustão
E deixaste uma bela lição.