19 December 2012

Do paralelipípedo


Quando comecei a tirar a carta, o meu pai ensinou-me uma regra de ouro para conduzir sem alterar o meu estado nervoso natural: "Pensa que todos os carros à tua volta são paralelipípedos, não levam ninguém lá dentro. São meros obstáculos." Assim fiz. E desde então, graças a tão sábio ensinamento, tenho evitado as situações mais desagradáveis e inoportunas a que o trânsito normalmente expõe. Desde mal encarados a tarados sexistas e demais imbecis do asfalto, a ideia do paralelipípedo-obstáculo que é apenas preciso contornar (nem sequer evitar, apenas contornar) tem-me poupado toda uma vida de dissabores ao volante.  

Ora, recentemente, fiz uma chamada transferência de conhecimento. Talvez o amadurecimento dos anos ou talvez a estupidez da realidade que nos envolve, cada vez mais exposta, me tenha levado à apaziguadora conclusão de que nem só no trânsito vivem os paralelipípedos!

Ah pois é! A nossa pequena sociedade global (aquém e além fronteiras, online e offline, real e virtual/ nominal) está infestadinha de paralelipípedos cinzentos, simples, pobres, ignorantes, desinteressantes e desinteressados. Concerteza que, com tal descoberta, as cores do mundo ficam menos gritantes... Mas os contrastes ficam também mais nítidos! E os sinuosos caminhos desviantes dos ditos obstáculos tornaram-se bem mais focados, determinados, evidentes.

É que, como dizia um velho amigo, "contra a estupidez humana ninguém pode." E, voltando ao preciosamente incómodo paralelipípedo, se não pode contra pode à volta. Pois vivam os contornos e desvios! Que a vida também não é para ser levada a eito. Nem a peito! :)




"Nothing in life has to be taken seriously - except the joy of life." – Maharishi


12 December 2012

R.I.P.* Indústrias Criativas

Depois de três anos a conceber e desenvolver um Centro de Empresas Criativas, (integrado num projecto maior de ligação da I&D+I ao mercado de uma da maior universidades de Portugal), é chegado o momento de dizer R.I.P. Indústrias Criativas.

Acabadinha de regressar de Londres, onde completara o meu Master of Arts em Gestão e Politicas Culturais, estavam as Indústrias Criativas em plena ebulição quando aterrei no Porto, que acabara de mergulhar nesta matéria escaldante.

Tão escaldante que virara a salvação evidente para a depressão nortenha, um autêntico El Dorado vestido de Estratégia para o Desenvolvimento de um Cluster de Indústrias Criativas da Região Norte de Portugal. Com um nome tão comprido, eu devia ter desconfiado... Mas a minha ingenuidade e a minha vontade de contribuir para a emergência de um sector que viesse clarificar o valor das actividades criativas e culturais no seio da economia nacional ofuscaram-­‐me. O amor é cego! E infinito enquanto dura...

Hoje percebo que (salvo o devido peso relativo e com muito respeito pelas pessoas e circunstâncias deste centro) não fora tal cegueira e talvez o projecto que giro não tivesse tido uma infância tão feliz e, portanto, robusta. Com apenas três anos de idade, este centro de empresas orgulha-­‐se de ser uma das instituições que emergiram mais sólidas e convictas da vaga criativa na região e no pais. As razões são muitas: não é um projecto isolado (está inserido numa estrutura que abarca empresas de várias áreas de actividade e em diferentes níveis de maturidade); está mergulhado num ecossistema académico com mais de 100 anos, onde a produção e o acesso ao conhecimento e os estímulos intelectuais são uma constante; e nasceu no Porto, num ano em que, qual Fénix renascida, a Arte e a Cultura se voltavam a tentar impor, após a travessia do deserto que foram os anos pós-­‐“Porto2001 -­‐ Capital Europeia da Cultura”.

Mesmo assim, esta incubadora não se livra dos fatídicos traumas de infância: não é um projecto isolado, logo, está sujeito a uma série de tensões e pressões inevitáveis e próprias de qualquer ser gregário; está mergulhada num ecossistema académico com mais de 100 anos, cujos vícios de funcionamento e os feudos e apadrinhamentos cheiram a mofo mas são a norma; e, finalmente, nasceu no Porto, numa altura em que a Arte e a Cultura se tentavam impor quando a Era Digital as atropelava, ao mesmo tempo que levavam uma patada das Indústrias Criativas, qual Afonso Henriques a esfaquear a própria mãe em pleno berço patriota. Ó miserável fado lusitano! E se ainda tivesse sido à facada... Haveria sangue e lágrimas derramadas no chão, arrependimento dilacerante e alento desvairado para continuar as conquistas... Mas não foi.

Desta vez, o Afonso Henriques (Indústrias Criativas) não esfrangalhou a mãe dominante (Artes e Cultura) com a possante espada mas antes tentou engoli-­‐la.

Ora imagine-­‐se! Um filho tentar engolir a própria mãe!!! Qual anaconda de boca escancarada a tentar enfiar um seu semelhante pela goela abaixo. Das duas uma: ou padece de deficiência profunda ou anda em ácidos. Qualquer das possibilidades não teria, por norma, bom desfecho.

Ou por inadaptação ou por overdose, as Indústrias Criativas em Portugal, conforme surgiram e se agora apresentam, estavam condenadas a uma morte desgraçada desde o início. Quiçá o próprio nome da agencia criada para as promover e apoiar fosse já um prenúncio dessa trágica sentença...

E, portanto, hoje eu digo: R.I.P. Indústrias Criativas!

Mas como posso fazê-­‐lo e, ainda assim, continuar a acreditar? É que o amor é cego... ;)





R.I.P. = Rest in Peace (Descansem em Paz)