10 August 2022

A Anita desviou a vida
Numa sexta-feira
Que não era treze
Nem fria nem triste
Era uma sexta-feira
De sol, de férias, de calor
Era uma sexta-feira
Cheia de cor e cheiros e sabor
E memórias das histórias
Sob as estrelas 
Longínquas, solitárias
Que já não lembro
Mais ainda imagino
O céu azul limpo
Reflectindo salgado 
No mar transparente
O corpo embalado pelas ondas
Peixinhos atrevidos 
Mordiscando os pés
Ai! 
Lambo o rosto molhado
Dói-me o coração
Porque a Anita desviou a vida 
Qual cortina incómoda
Ali à boca de cena 
Onde a terra acaba
O mar começa
E o poema aplaude e grita:
Fica, Anita, fica!  



para a Ana Luísa Amaral (1956-2022)


O Poema Inacabado

A vida é a água
A esgueirar-se pelas frinchas 
Da parede imaculada
Enegrecendo invisível
Até ao podre
São os pêlos brancos
Do gato vadio
Agarrados à malha preta
Do melhor vestido
É este mistério descontrolado
Desconcertante, cruel, desmiolado
Que nos inspira e atormenta
O quotidiano espiralado
O poema inacabado...