4 February 2022

As palavras

As palavras são mantras
Seres misteriosos, primitivos
Sons e estalidos
Transformados em belos signos,
Cornucópias e rabiscos
Umas em pé
Outras deitadas
Umas mais sós
Outras acompanhadas
Lá se abraçam
E entrelaçam
Prometendo algum sentido
Mas em boa verdade
Não são mais que gemidos
Urros, sussurros e latidos
Uma algaraviada de ruídos
Sem fim e sem motivos
Mas que nos mantém todos unidos
E vai marcando o compasso 
Do tempo em que existimos.

O poema cagão

E aquele poema
Que era tão perfeito e tão belo
Tão ritmado, tão singelo
Mas não se pôde logo escrever
Porque não havia tempo
Porque ainda era cedo
Porque tinha que comer
Porque ainda estava no banho
Porque aquilo dá trabalho
É coisa que ainda demora
E só depois mais tarde
Quando por fim é boa hora
Não é que o poema se acagaçou
Não quis saltar para o papel
Fugiu dali pra fora
E nunca mais ninguém o alcançou?

As bengalas

Ia eu de passo ligeiro e ensimesmado
Quando me distraí 
Com um ramalhete de bengalas
Todo bem arranjado 
Através da vitrine que passava
Não resisti a contemplá-las
Pelo canto do olho cativada
Mas eis que ao retomar a direcção
O próprio pé fez confusão
Passou-me uma rasteira
E eu estatelei-me no chão
- Estava a pedi-las...