Acabadinha de regressar de Londres, onde completara o meu Master of Arts em Gestão e Politicas Culturais, estavam as Indústrias Criativas em plena ebulição quando aterrei no Porto, que acabara de mergulhar nesta matéria escaldante.
Tão escaldante que virara a salvação evidente para a depressão nortenha, um autêntico El Dorado vestido de Estratégia para o Desenvolvimento de um Cluster de Indústrias Criativas da Região Norte de Portugal. Com um nome tão comprido, eu devia ter desconfiado... Mas a minha ingenuidade e a minha vontade de contribuir para a emergência de um sector que viesse clarificar o valor das actividades criativas e culturais no seio da economia nacional ofuscaram-‐me. O amor é cego! E infinito enquanto dura...
Hoje percebo que (salvo o devido peso relativo e com muito respeito pelas pessoas e circunstâncias deste centro) não fora tal cegueira e talvez o projecto que giro não tivesse tido uma infância tão feliz e, portanto, robusta. Com apenas três anos de idade, este centro de empresas orgulha-‐se de ser uma das instituições que emergiram mais sólidas e convictas da vaga criativa na região e no pais. As razões são muitas: não é um projecto isolado (está inserido numa estrutura que abarca empresas de várias áreas de actividade e em diferentes níveis de maturidade); está mergulhado num ecossistema académico com mais de 100 anos, onde a produção e o acesso ao conhecimento e os estímulos intelectuais são uma constante; e nasceu no Porto, num ano em que, qual Fénix renascida, a Arte e a Cultura se voltavam a tentar impor, após a travessia do deserto que foram os anos pós-‐“Porto2001 -‐ Capital Europeia da Cultura”.
Mesmo assim, esta incubadora não se livra dos fatídicos traumas de infância: não é um projecto isolado, logo, está sujeito a uma série de tensões e pressões inevitáveis e próprias de qualquer ser gregário; está mergulhada num ecossistema académico com mais de 100 anos, cujos vícios de funcionamento e os feudos e apadrinhamentos cheiram a mofo mas são a norma; e, finalmente, nasceu no Porto, numa altura em que a Arte e a Cultura se tentavam impor quando a Era Digital as atropelava, ao mesmo tempo que levavam uma patada das Indústrias Criativas, qual Afonso Henriques a esfaquear a própria mãe em pleno berço patriota. Ó miserável fado lusitano! E se ainda tivesse sido à facada... Haveria sangue e lágrimas derramadas no chão, arrependimento dilacerante e alento desvairado para continuar as conquistas... Mas não foi.
Desta vez, o Afonso Henriques (Indústrias Criativas) não esfrangalhou a mãe dominante (Artes e Cultura) com a possante espada mas antes tentou engoli-‐la.
Ora imagine-‐se! Um filho tentar engolir a própria mãe!!! Qual anaconda de boca escancarada a tentar enfiar um seu semelhante pela goela abaixo. Das duas uma: ou padece de deficiência profunda ou anda em ácidos. Qualquer das possibilidades não teria, por norma, bom desfecho.
Ou por inadaptação ou por overdose, as Indústrias Criativas em Portugal, conforme surgiram e se agora apresentam, estavam condenadas a uma morte desgraçada desde o início. Quiçá o próprio nome da agencia criada para as promover e apoiar fosse já um prenúncio dessa trágica sentença...
E, portanto, hoje eu digo: R.I.P. Indústrias Criativas!
Mas como posso fazê-‐lo e, ainda assim, continuar a acreditar? É que o amor é cego... ;)
* R.I.P. = Rest in Peace (Descansem em Paz)
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