Lá foste, D.Alcina. Fartaste-te de tudo e bateste com a porta da vida. E bem que fizeste. Eu faria o mesmo. Ou não tivesse apanhado esse mau génio que tanta personalidade dá ao meu sinal no queixo. Sinal de carne, sinal de beleza. "Também tenho. Mas o meu é branco." Era branco também o marido que querias para mim. De preferência, das Fontaínhas. "Aquilo é que era!" Pergunto-me se querias mesmo... Mas querias provocar. Aprender. A minha vida era-te tão distante. E tu fazias-me tantas perguntas! E eu dava tantas respostas. "Olha que respondona!" Toda orgulhosa. Era o teu entertenimento preferido... Arreliar-me. Arreliar-nos a todos. "Oh, não me consumas!" Enquanto eu folheava a tua Hola ou Caras ou a Gente ou a Maria, a beber chá com folhinhas no fundo. "Bebe um chá, filha. Não queres lanchar? Tenho ali uns biscoitinhos, fiambre... Não queres comer nada?" Nem que não quisesse! Eras a minha vontade de comer. E eu que era o teu biscuit, o teu realejo, a tua "mariazinha"... "Anda cá, mariazinha! Toma lá uma notinha para comeres um geladinho. E tá calada! Não digas ao teu pai." Ai, lá se foram tantos mimos e cortes de cabelo! E pudins e bifinhos e tripas à moda do Porto e rojões e papas de sarrabulho e leite creme e o bacalhau do Natal e os bolinhos do bacalhau do Natal... "Estão muito bons, D.Alcina!" E o teu silêncio de majestade estuporada que sabe. E que desdenha e intromete e envenena. Eras bem bruxa também... "Não mexas nisso que é bruxedo." Mas podias. Porque o mal não era teu. Mas de quem te ligasse. "O COMER ESTÁ NA MESA!" Eu nunca liguei. Fazia pouco e fazia frente. Porque não havia bruxedo que se sobrepusesse aos miquis, ao Vic e aos pensos de álcool no peitinho febril, ao batom vermelho e à sombra verde e ao sinal preto que o teu lápis espetava na minha cara, ao cheiro a laca, ao leitinho com chocolate e aos teus sapatos dourados e às lantejoulas e peles de cobra a desfilar em passerelle, arrastando pelo corredor fora, carrapito espetado no ar, Beverly Hills 90210, Wacky Races, Scooby Doo,"VENHAM VER OS MIQUIS!", viúva Porcina a balançar, dançando lambada de saia rodada... Chorando se foi a saia rodada que fazias só para nos ver rodopiar! "Esta miúda tem jeito." E a máquina de costura a matraquear a próxima personagem que havíamos de envergar. "És uma artista." Pelas tuas mãos mágicas fui fada, bruxa, bailarina, padeira, pianista, grega, sevilhana, índia, japonesa, capuchinha, dama das camélias... Ai as camélias! E as orquídeas e as rosas e as tulipas! E as rosas de Santa Teresinha. As rosas... Desenhei uma. Dos ventos. No ombro. Nunca a viste. Nunca gostaste de me saber no meio do mar. "Tem algum jeito!" Tanta coisa minha que nunca gostaste e nunca viste nem soubeste. Tanta coisa que não saberás jamais... Minha querida avó. Ainda te levei o mar antes de ires embora. E o cabelo cor-de-rosa. "É bonita a minha neta." Oxalá tivéssemos tido uma despedida mais digna... A beber chá com folhinhas e a comer pudim - tu não, por causa dos diabinhos! - e a falar mal da vida das vedetas e dos outros de quem gostamos, antes de saíres para ir à baixa ou à natação ou ao cabeleireiro com a Dona Margarida... Se quiseres depois vou-te buscar. "Oh! Não, filha! Deixa estar!" Eu vou. Até já, bóbó! Gosto muito de ti. E do teu pudim.