29 July 2019

Hoje morri

Hoje morri.
Mas correu tudo bem,
Não se preocupem.
Morri descansada,
Consolada.
Assim que morri
Não mais me preocupei
Com nada.
E morri em paz,
Muito satisfeita
Com a vida que levei
O esforço que fiz
O tanto que dancei e cantei
O filho que não me quis.
E também morri contente
Por já não ser crente
Ou achar que ia para o céu.
Não, não, eu vou é para
O profundo breu.
Aqui não se passa nada,
Não se vê vivalma.
Aqui descansa-se sossegada,
Relaxada e com muita calma.
E foi por isso
Que hoje decidi morrer.
Estava cansada de viver.
Vou de barriga cheia
E entusiasmada.
Portanto, meus queridos,
Se hoje não for hoje
Mas for amanhã
Ou antes ou ontem ou depois
- Pouco importa!
O que importa é que morri bem,
Morri feliz.
- Aliás, como vivi!
E a única coisa de que não abdiquei
Foi da recordação de vocês todos
Que sabem o quão sempre vos amei
E só por isso fui tão feliz. :)

28 July 2019

Poema a Vinicius

Teu sorriso iluminado
Teu avanço determinado
Tua voz aveludada
Meio quebrada, arranhada
Qual violão mal afinado
Teu olhar dengoso
Teu jeito gostoso
Teu caminho sinuoso
És Vinicius
Nem de Moraes
Nem de Cantuária
Mas tens nome e sangue de poeta
Vinicius do mundo
Tche do sul, ao sul, para o sul
A virar o meu norte ao contrário
- Era só o que me faltava...
E lá vou eu embriagada
A rodopiar sem rumo
Outra vez.
Saravá!

A Oportunidade

A oportunidade é um momento,
Uma fracção de segundo
No pensamento.
A oportunidade é uma nesga,
É um Rossio na Betesga
- E não é que coube! 
A oportunidade é o fio da navalha,
É uma lotaria que nos calha,
Equilibrista que ainda se espalha,
É o bêbado a escapar à morte.
A oportunidade é um triz, uma sorte.
Raio de sol que germina
Mas é preciso regar.
Ou se agarra ou termina;
A oportunidade não se repete
E, às vezes, é só uma pena.



22 July 2019

Ser poeta
É estar apaixonado,
Escancarar o coração
Sem medo das correntes de ar
E esperar que algo de bom
Entre a voar, sem avisar.
É abrir os braços
Ao tsunami que se anuncia
No horizonte;
Esperar a pancada da água
Sabendo que se vai ficar sem ar
E afogar-se no turbilhão
Desconhecido com a certeza
Que vai magoar.
Ser poeta
É andar descalço na floresta
Pisando galhos, pontapeando pedras
E é ser capaz de esquecer
A dor, o sangue, o cansaço
Em nome da maravilha
Que é olhar para cima
E ver passar o sol
Por entre as copas das árvores.
Ser poeta
É velejar um barco sem rumo,
Sentir o vento na cara
E lamber o sal que salpica.
Sonhar com o porto desconhecido
Em plena borrasca sombria
E acordar na bonança
Sem ter chegado a lado algum
E, ainda assim, estar grato.
Eternamente.

20 July 2019

Poema de ressaca

O meu príncipe sumiu.
Pegou no cavalo
E lá foi, a galope.
Mais outro desgraçado
Que, à primeira oportunidade,
Montou e deu de frosques.
Raispartam os príncipes,
Cheios de mundo e paixão,
De cada vez que aparecem
Levam-nos um pedaço
Do coração.

- Que os espalhem por aí, ao menos! <3 3="" p="">

19 July 2019

Mapa

As pessoas são como os países.
Algumas são só de passagem,
Escalas de um percurso maior.
Outras são destinos de sonho,
Que nunca vamos visitar
Mas gostávamos...
Há ainda aqueles que são
Lugares feios, traumáticos,
Aos quais nunca mais se quer voltar!
E as especiais,
Que deixam saudade,
Que marcam para sempre
E nunca mais se esquecem.
E depois há aquelas
Que nos fazem sentir em casa,
Com o seu cheiro familiar
E aquela sensação de conforto
Que se reconhece
Sem nunca ter conhecido,
Aquela vontade de ficar
Só mais um bocadinho...
Não ter que regressar...

15 July 2019

Este poema (não) é para míopes

O foco é muito importante:
É onde recai a atenção,
Lá é que pousa o coração,
É o que provoca emoção.
O foco é o essencial:
É o que dá inspiração
É o sentido, é a razão
É a luz na escuridão.
O foco é mais ainda:
É uma nova direcção,
Estrela guia, orientação,
É força e motivação.
Ah! Mas o foco é uma grande ilusão,
Porto inseguro, em pleno furacão!
O foco é uma prisão!
O foco é uma distracção!
E é tudo o que resta,
Só que (ainda) não.



10 July 2019

Do amor nos aeroportos

A vida a passar
O sono na pior hora
O tormento que não vai embora
O lugar que não é meu
O cansaço nas entranhas
Ai, a tese por acabar
A guerra do outro lado
As teias das aranhas
Tantas vidas debaixo do mar
Os homens a chorar
As mulheres a penar
A vida a passar
A criança aos berros
O sorriso enternecido
O príncipe sem perna
O café mal tirado
O comboio paraplégico
O direito à diferença
O certo que estava errado
O Norte que virou Sul
A língua meiguinha
A vida a passar
A música no ar
O amor na cabeça
A paz no coração
- Ainda perco outro avião!

No Olho do Furacão

No olho do furacão,
Não há espaço para medo,
Não há vento,
Não há confusão.
No olho do furacão,
Não cabem disparates.
Só cabe o essencial,
Só cabe o coração.
No olho do furacão,
Nada faz falta.
Está cheio de silêncio,
Há concentração.
No olho do furacão,
Tudo fica mais claro.
Mudam-se perspectivas,
Escolhe-se uma direcção.
No olho do furacão,
Encontra-se a lucidez,
E espera-se que tudo passe
Para recomeçar outra vez.