Tenho um velhinho em casa. Um velhinho que já cá não está. Mas já esteve. A sofrer. E sofre ainda. De solidão amarga, escura e fria. Tal e qual sofreu enquanto cá vivia. Já não vive. Mas deixou-se ficar porque ninguém apareceu para o reclamar. Reclama ele! Que está sozinho e lhe viraram isto tudo do avesso. Que ali era um quarto e aqui tinha uma porta e uma janela toda torta! Deambula triste porque já não reconhece aquilo que não foi e volta a não ser. Era uma casa... Ou um mausoléu? Uma tumba renovada... Um palácio assombrado! Não. Agora é que é uma casa. Ou nunca foi? E sofre. Chora no ranger das portas que se abrem sozinhas, nos gritos da gata escadaria acima, nos clarões da trovoada trespassando a clarabóia e o sono. E isto agora o que é? Pode ser que te ajude a partires, a não ficares sozinho. Chora. Que está sozinho. Que esteve sempre. Que nunca o ajudaram. Nunca! Chora de solidão e de saudade. Daquilo que não foi e não lhe faz falta nenhuma. Mas podia fazer. E ele gostava. Que o tivessem vindo buscar. Que o tivessem levado daqui. Gostava de se libertar deste cárcere mórbido e colorido. Cheira a morte aqui. Cheira a vinagre. Cheira a feridas abertas, madeira húmida e a laranjas podres. Falta aqui vida. Falta aqui gente. De que serve a cor se não há luz e tudo permanece escuro? Sai daqui velhinho, sai. Vai-te embora que aqui não é o teu lugar.
Ponho uma taça com água, vinagre e sal - muito sal! - em cada piso. Dou-te a mão e vamos embora.
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