30 April 2021

Ai poeta,
Dás-me saudades do amor
Da vertigem da vida
Do vendaval de cor!
Saudades dos pássaros
A voar
E da melodia de seu bico
A assobiar.
Ai poeta,
Lembras-me o romance
Que nunca aconteceu
E o amante
Que nunca foi meu.
E dás-me vontade
De chegar aonde sonhei
Lá bem longe
Perto do horizonte
Onde fica eu não sei.
Ai poeta,
Devolves-me a paz
Ao entoares as rimas e os acordes
Que me lembram capaz
De amar quem nunca conheci
Fazer o que nunca fiz
E que jamais esquecerei
Ou tãopouco recordarei
Porque também eu sou rainha
Nesse magnífico reino
Sem egos, formas ou leis 
Onde todos andamos nús
Sorrindo
Porque não somos ninguém.

10 April 2021

Urso vazio

Certo dia, visitei
O lugar do urso
Que me atacou
Corri florestas
Galguei trilhos
Saltei ribeiros
Segui regatos
Perdi-me nas silvas
Recuperei caminhos
Procurei recordações
Esvaziei os bolsos
Que estavam cheios
De tesouros
Pesados 
Como remorsos
Suei muito
Rasguei vestes
E músculos
Até que uma brisa
Ao passar
Me distraiu
Com chilreios
E cores doces
Água fresca 
Cheirinho a esteva
E minhas pernas 
Fizeram-se asas
Abertas
Qual cegonha longa
A planar
Sobre líquenes
Sinuosos
Sobre ramos
Torcidos 
Dos carvalhos
E cabelos
Soltos
Dos choupos
Sobre curvas
Imprevisíveis
Dos riachos
Lá de cima
A pairar
Não via ursos
Nem lobos
Nem javalis
Só as veias 
Da vida a pulsar
- E as cascas
Daquele enorme
Animal vazio
Que afinal
Nem existe.