2 February 2021

Agora dava-te um abraço
Um não, mais, muitos!
Ou um, até podia ser
Mas daqueles intermináveis
Que levam muito tempo a separar
Porque quando desatam de um lado
Já se apertam mais do outro
E um beijo também
Também te dava um beijo
Daqueles roubados
Inesperados
Assim sem contar 
Mas que afinal até se adivinhava
E só dão vontade de mais
E mais e mais e mais
E lá se colam outra vez os lábios
Já todos ardidos e lambuzados
Segredando intimidades profundas
Dessas que não se traduzem
Em palavras ou sons 
Ou músicas ou tons
Ou textos ou dons
E, no entanto, são arte
Oh mas eu dava-te ainda 
O resto do corpo todo
E o que mais houvesse depois
As pernas para te aconchegar
O peito para te confortar
O sexo para te aquecer
E derreterias em mim
Essa raiva do mundo
Que te consome a ti
Que nos consome a todos
Descarregarías em mim
Esse vigoroso ódio
Ao sistema que oprime
À norma que sufoca
À apatia que contamina
À identidade que divide
Porque a tua revolta 
É a minha também
Como o teu conforto
É também o meu
E a tua poesia
Rima com a minha
Porque a tua ira
A tua angústia
A tua luta
Não tem fronteiras
Nem limites
Não é de luas
Nem de desejos 
Nem tem regras
Nem línguas
Nem apetites
Porque a tua luta
É minha também
E de todos os demais
Porque é humana
Porque é igual
E universal
Como é o teu descanso
Como é o meu regaço
Como é a nossa paz.