Despedimo-nos de ti no dia em que começou o Ano da Serpente de Madeira. Estavas bonito, sereno, azul como o céu limpo desse dia triste mas brilhante. Uma enxurrada de amor se precipitou a celebrar-te. Tantas vidas tu tocaste, tantos sorrisos arrancaste, tanto bem distribuíste... Apesar das lágrimas e soluços e suspiros, senti-me em paz e acolhi cada pessoa que me abraçava, sabendo que te abraçavam a ti também, meu amor, meu amigo, meu irmão - às vezes, até filho, marido... Meu parceiro, meu compincha, meu companheiro de uma vida tão plena. tão intensa, alegre e completa. Que sorte tive em me cruzar contigo (de novo, estou agora certa)! Que grata estou por ter tido o privilégio de partilhar contigo este amor sem formas, nem regras, nem objectivos, nem planos, nem expectativas. Que bela forma de viver! Que lindo caminho percorremos juntos, com tantos altos e baixos e montanhas e vales e distâncias e aproximações e rectas e encruzilhadas... Dançamos sempre bem! Abrindo clareiras na confusão, círculos de alegria na multidão que logo se transformavam em pólos de atracção irresistíveis - não havia quem não quisesse fazer parte daquela energia tão boa que emanávamos, desprendidos, generosos, livres. Até nós próprios queríamos fazer parte daquela onda que provocávamos e, de repente, não era mais nossa porque era de toda a gente, numa infinita espiral de meta-universos espelhando-se entre si. Fomos amor e seguimos sendo, nesta nova forma de nos relacionarmos - eu matéria, tu etéreo. É só mais uma das múltiplas variantes desta amizade inestimável, inesgotável que sempre nos uniu e continuará a unir até ao fim dos tempos... Até ao infinito e mais além! Continuemos a nossa dança, então. <3
31 January 2025
29 January 2025
OS AMIGOS
Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura
Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis
Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor
José Tolentino Mendonça, «Os Amigos»
28 January 2025
26 January 2025
Am shalam
Hoje morreste
Antes do terrível telefonema
E daquele silêncio surdo
No dia em que os planetas
Se alinharam - tão teu!
Falava da orca que passou semanas
Carregando a cria morta
E da macaca que passou meses
Com o bebé morto nos braços
As vezes, fui tua mãe também
E amiga, companheira, amada, irmã
Eterna compincha
O nosso amor teve tantas formas
A nossa vida teve tantas vidas
Quis o universo que nos afastássemos
Neste final suspenso
Quis também que nos reaproximássemos
Em grande estilo
A dançar juntos
Cheios de vida e entusiasmo
Como sempre
A reinventar-nos
Outra vez e outra vez
Mas hoje morreste
E agora, Daniel?
Com quem é que eu danço, babe?
Quando serei capaz de te deixar ir
A rodopiar
Para esse outro lugar?
Não me deixes aqui assim
A cair.
Am shalam!
19 January 2025
16 January 2025
A Borboleta
Vagueando entre lápides e mortos
Sentindo-me perdida…
Inesperadamente apareceste
E pousaste na laje devagarinho
Apontando-me o caminho
Para logo rodopiar à minha volta
Numa dança delicada
De asas como beijinhos
Cheios de alegria e carinho
Feliz por me ver
E eu por te reconhecer
- Alcina.
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